terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Sobre viajar e cantar


"Los cantos viajan; un camino transitado, importante, lleno de vida es el mejor espacio para que se muevan y transformen. En su movimiento, el canto y el cantor se transforman cada día. No es el mismo cuando regresa del viaje ni son los mismos sus escuchas. Cambiar, moverse y volverse tradición".
(trecho retirado do CD Camino Real de Tierra Adentro, obra realizada pela Universidad Autónoma dae Ciudad de Juárez)


SAN JOSÉ DEL PACÍFICO
Dia 16, ainda em Oaxaca, estava em duvida sobre ir direto para a praia - Mazunte - ou parar na cidade de San Jose del Pacifico (que fica nas montanhas, no meio do caminho entre Oaxaca e Potchula - cidade que dá acesso à Mazunte). Muitos me diziam que a viagem Oaxaca/Potchula era muito cansativa, que haviam milhares de curvas dentre as montanhas e que compensava parar um pouco em Jose para depois seguir para o litoral. No entanto, ninguém me dava nenhuma informação precisa sobre a tal cidade: como era, o que tinha para fazer etc. Na segunda-feira de manha Tamara, uma argentinha que acabara de voltar de S. José, me falou tão empolgada da cidadezinha e fez uma descrição tão bonita que me decidi. Fui. Três horas de Oaxaca à San Jose del Pacífico. Foi uma das melhores decisões da viagem.
O povoado fica cravado na montanha. A paisagem é belíssima. No fim da tarde parte da cidade fica sobre as nuvens. É fantástico. Fiquei na Casa de Catalina, hoje hostel, mas, há alguns anos atrás, a casa de uma senhora chamada Catalina. Ela recebia os viajantes, cobrando-lhes apenas o valor das coisas que iria comprar para preparar-lhes refeições. Todavia, o clima da montanha não fazia bem à dona Catalina e ela se mudou para o litoral. Non, um viajante coreano que estava hospedado em Catalina ficou de vez na casa e assumiu sua “direção”. Outros também chegaram e ficaram: Ariel e Anuar, mexicanos e Ashkan, um iraniano. Apesar de Non ser o mais antigo na casa, tudo parece ser bem coletivizado, sem hierarquias ou papéis muito definidos. A casa tem um astral tão bom que todos entram na onda da organização e limpeza. Inclusive nós, os hóspedes.
CASA DE CATALINA:

Vista da Casa de Catalina:









ESCOLA EM S. JOSÉ:



Paisagem cinematográfica. Uma casinha verde, de madeira, cravada na montanha, faz sol forte durante o dia, o céu é de azul anil, ao redor a paisagem verde de uma cadeia de montanhas parece não ter fim, mas a noite, do alto das montanhas, conseguimos Visualizar muito ao longe luzes de uma cidade. Anuar diz que é Mazunte, no litoral.
Éramos mais ou menos uns 15 entre os hospedados e os que cuidavam da casa. Tinha iraniano, suíço, mexicanos, italiano, brasileiros, argentinos, coreano, português, israelita, franceses e mais três italianos que sempre apareciam durante a noite. A casinha tinha um clima ótimo. Durante o dia tomávamos sol na terraça de frente para as montanhas, caminhávamos pelos bosques nos arredores ou pensávamos no menu da noite. A noite era de musica, bate-papo e muita mota e raxi (baratíssimos por sinal), músicas do Movimento Nueva Canción Chilena, puxadas por Anuar e o visitante italiano Alberto. Os movimentos de Nueva Canción nasceram nos anos sessenta e foram marcados por grandes correntes sociais e políticas da época que estimularam a criação artística e a expressão de sentimentos imbuídos de um ideal libertário e de justiça para a toda a América Latina (comprei um CD no Chile na volta viagem!!!). Anuar havia me falado sobre o movimento e suas músicas na noite anterior. As interpretações dele e Alberto foram lindas. Houve momentos de muita emoção dos cantantes. Bonito de ver e ouvir


Askhan e Anuar:

Non:

César e Anuar:

Askhan, eu e Wagner:

César:

Pela hospedagem pagávamos 90 pesos (uns 13 reais aproximadamente). Neste valor estavam incluídos café da manha, almoço e janta. A galera gostava muito de cozinhar (e cozinhava muito bem), então sempre tinha comida muito boa.

CASINHA EM SAN JOSÉ:




Dentre as caminhadas pelos bosques, uma bem divertida foi a que fizemos para o povoado de San Sebatian (eu, Ashkan, Jimena e Wagner). Segundo o pessoal da casa, levaríamos no maximo 2hs. Seguimos as indicações da galera e tudo deu certo até que encontramos a primeira bifurcação e outra e outra e outra. Andamos durante 5hs por trilhas que existiam e por outras que inventávamos. O caminho era lindo. Céu azul, árvores excêntricas, insetos coloridos, muitas flores, cabras, burrinhos. San José é a terra dos cogumelos. Champignons comíamos muitos, mas os da brisa não estavam na época. A melhor época pros alucinógenos é setembro. Se sem cogumelos a paisagem já era maravilhosa com sua diversidade de cores e imagens saltando aos nossos olhos, totalmente psicodélica, imaginem sob efeito desses fantásticos fungos...

BOSQUE A CAMINHO DE SAN SEBASTIAN:








Apesar das nossas opções por caminhos nem sempre fáceis, nosso senso de direção estava correto e depois de umas 3hs e meia de caminhada avistamos San Sebastian. Ao longe ouvíamos os som de trombones e outros instrumentos musicais. Havia festa na cidadezinha. No meio daquele bosque, ao som daquela musica, parecíamos estar num filme de Kusturica. Encontramos um senhor no caminho e perguntamos quanto tempo ainda faltava pra chegar à cidadezinha. Ele nos disse que mais ou menos uma hora. Achamos que ele estava viajando, afinal ouvíamos e conseguíamos ver a cidade. Mas estávamos no meio das montanhas e avistar uma cidade num lugar como aquele não significa necessariamente chegar facilmente até ele... Depois de mais uma hora e meia de sobe e desce chegamos à San Sebatian. Descobrimos que a música era de um funeral e não da festa (que realmente estava acontecendo na cidade), tiramos fotos com crianças, andamos pelo simpático povoado, comemos (estávamos mortos de cansaço e fome!) e voltamos de táxi para S. José del Pacífico.

SAN SEBASTIAN:




domingo, 15 de janeiro de 2012


foto tirada no povoado de Tlacolula, próximo à Oaxaca.

OAXACA
No dia 9 de Janeiro chegamos à Oaxaca. Angela foi embora dia 13(sexta) e eu fiquei até 16 (segunda). Ficamos no Hostel Los Amigos, muito simpático e bem localizado (pertinho do Zócalo). Tem sempre gente nova chegando, o clima é bacana e a galera que administra é muito gente fina. Tivemos sorte, na semana que passamos nos Los amigos, de encontrarmos excelentes cozinheiros: José Luiz (mexicano da região de Oaxaca, chef de cozinha), Marc-Aurélie (francês que há 4 anos viaja pelo mundo de carona e que trabalhou como cozinheiro por alguns lugares em que passou) e Wagner (brasileiro que há alguns anos mora em Buenos Aires, onde cursou gastronomia, e que também trabalhou como cozinheiro em uma churrascaria “brasileira“ na Venezuela). Em boa parte da semana tivemos boa comida compartilhada no Hostel. Teve o dia do feijão do Wagner, dos legumes ao curry do Marc e José Luiz mandou muito bem nos outros dias com pratos mexicanos como chouriço, tortillas e queijo (que preparou pra mim e pra Angela, mas que a maior galera comeu porque tinha muita comida) e frango com mole (o mole ele mesmo preparou). A galera comprava os ingredientes e ele cozinhava. Tudo isso ao som de muita musica, mescal, cerveja e gente hablando muitas línguas.
Em Oaxaca há muitas coisas para fazer: ir ao mercado Juárez, um grande mercado no centro onde tem de tudo. Passeando por seu interior vemos muitas vendedoras de comidas típicas. São em geral senhoras que, com seus aventais coloridos e seus longos cabelos trançados, nos oferecem as variadas opções preparadas com a base da sua alimentação há milhares de anos: o milho (tacos, tortilhas, tlayudas, quesadillas); as coloridas bancas de frutas, as carnicerias, as tendas de roupas, bolsas coloridas, roupas típicas, temperos e diversos condimentos, utensílios, coisas da China, as dulcerias... E assim, tudo o que se imagina e não se imagina há neste grande mercado. As mulheres estão muito presentes nos mercados mexicanos, e em Oaxaca não é diferente. São elas que vendem as comidas típicas ou os ingredientes para prepara-las e que estão em grande parte das variadas barracas.
Na cidade pode-se ainda visitar suas igrejas, o MACO (Museo de Arte Contemporanea de Oaxaca), o Complexo Santo Domingos (composto por uma igreja belíssima e um ex-monastério, hoje transformado em museu), o Jardim étnico-botânico. Muito interessante, porém caro: 50 pesos e só pode ser feito com um guia - mais ou menos 1:30h de tour pelo jardim. Seria muito mais interessante se pudéssemos caminhar livremente, mas provavelmente isso tenha a ver com o cuidado com sua preservação. Podemos ainda andar pelas ruas da cidade, passear pelo Zócalo (onde sempre há uma pequena orquestra no fim da tarde), ir ao cinema, às diversas mostras de arte e cultura que acontecem pela cidade. Pode-se visitar também seus arredores.
As ruínas de Monte Albán ficam a menos de meia hora de Oaxaca. Há também pequenos povoados bem perto onde se produzem famosos artesanatos em barro e em madeira.

JARDIM ETNICO-BOTANICO:



MUSEO NO COMPLEXO SÃO DOMINGOS:


Fizemos de tudo um pouco... Deu até pra ir ao cinema ver um belo documentário sobre uma família circense (com bate papo com a diretora ao final da sessão) e a um show no domingo de uma banda de Chihuaua que mistura acordeón, trompa e muita musica eletrônica.

CINEMA NO TEATRO DE OAXACA:


Apesar do frio estávamos bem animados. Depois do show fomos para uma festa em uma igreja. Era dia 15 de janeiro e pelo que parecia aquela era uma festa de navidad. Pois é, enquanto alguns lugares no Brasil se comemora o carnaval por alguns meses, no Mexico parece que isso acontece com os festejos natalinos. A festa era animada por uma bela banda que tocava umas musicas típicas mexicanas e por uma interessante queima de fogos de artifício. Abria-se uma espécie de meia lua e pessoas iam ao centro com uma armação na cabeça cheia de fogos de artifício. Enquanto dançavam com a armação na cabeça os fogos iam estourando numa sequencia de estrelas, cores, estouros bem bonitos, apesar de assustador em alguns momentos. Fora isso, grandes fogos de artifício eram soltos de canhoes de bambu e uma espécie de arvore de natal gigante também ia desencadeando a queima dos coloridos fogos de artifício.

RUÍNAS MONTE ÁLBAN:
Vista panoramica de Oaxaca quando estamos subindo pra Monte Alban:


Periferia de Oaxaca. "A periferia é periferia em qualquer lugar".

















Alugamos um carro em 5 pessoas, José Luiz - que é oxaqueño - foi nosso excelente guia. Foi um dia muito especial. Visitamos o povoado de Tlacolula, Hierve L'água e 3 fábricas artesanais de maescal. Tomamos muito mescal... Na volta, paramos num povoado chamado Tule (onde se encontra a maior árvore do mundo) e comemos uma comida deliciosa.

IMAGENS DO MERCADO DO POVOADO DE TLACOLULA:













IGREJA EM TLACOLULA:



CAMINHO PRA HIERVE L'ÁGUA:
Maguey, planta com a qual se produz Mescal, uma espécie de aguardadente:





HIERVE L'ÁGUA:



FABRICAÇÃO ARTESANAL DE MESCAL (primeira fábrica que paramos)








plantação de maguey:

O mescal é uma espécie de cachaça preparada à base do maguei. Tira-se as folhas e o miolo que sobra é assado num grande buraco feito no chão (uma espécie de imensa fornalha). Depois é passado por uma moenda puxada por burros ou cavalos, fermentado e destilado.

2a. fábrica que paramos (San Dionísio)
Paramos um bom tempo na fábrica do Sr. Pedro em San Dionísio. Como José Luiz conhece bem a região, somos sempre bem recepcionados pelos fabricantes de mescal. Seu Pedro fabrica mescal há uns 40 anos. Me diz que tem 80 anos, mas aparenta muito menos. Seu neto, que tem trinta e poucos anos, viveu alguns anos nos Estados Unidos, onde esteve preso por 7 anos e foi sushi-man em um restaurante japonês.
Passamos algumas horas na companhia de seu Pedro e de seu neto, provamos de seu mescal e ele, provavelmente feliz com a chegada dos de fora, trouxe seu violão e pediu para que alguém tocasse alguma musica. Marc improvisou um animado reggae que falava sobre mescal, San Dionísio, México, Hierve L‘água. Foi uma tarde divertida e agradável. Estar ali com seu Pedro, compartilhar seu trabalho, mergulhar, pelo menos um pouco, na realidade daqueles - muitos - que partem do México à procura de uma vida melhor, sem nem sempre encontra-la, deixou aquela tarde mais especial.







Em um dos povoados que passamos acontecia um animado rodeio. Éramos as únicas pessoas de fora. Todos nos olhavam com um desconfiado, ainda mais porque conosco estava um negro com cabelos em dread.

De lá seguimos para outra fábrica onde provamos outros tipos de mescal. Varios tipos: fortes, fracos, super concentrados... Na foto abaixo mostramos que, apesar de muito mescal, ainda conseguimos fazer quatro (claro, cada um à sua maneira). Depois desta foto Marc-Aurélie literalmente capotou. O encontramos dormindo ao lado do fogão de lenha, caído no chão. O mescal caiu forte para ele. Depois de vomitar um bocado, Marc voltou no carro completamente desmaiado, enquanto nós parávamos em Tule para uma deliciosa comida.


3a. fábrica de mescal que visitamos: